No dia em que a equipe do Dr. Zerbini fazia o
primeiro transplante de coração em São Paulo, o cirurgião Gilson Braga
reimplantava a mão da menina Cristiane Porreca, de dois anos, no Hospital São
Francisco Xavier, no Estado do Rio. Mas o hospital onde o Dr. Braga fez o
reimplante não é um Hospital das Clínicas de São Paulo. O São Francisco Xavier
é uma casa velha construída em 1810. Seus dois andares tem 65 leitos, mas não
podem ser chamados de ambulatórios. Os quartos são forrados de tapumes de
madeira compensada e jornais velhos substituem os vidros quebrados das janelas.
A habilidade do cirurgião, numa enfermaria onde costuma faltar gesso para
tratamento de fraturas e soro antitetanico, permitiu reconstituir todos os
vasos sanguineos da mão, decepada quando a menina Cristiane caiu de um carro em
movimento.” Revista Veja Primeira Publicação
Eu nasci em vinte e cinco de março de 1990, pelas mãos do meu próprio
pai, assim como acho que todos os meus irmãos também e muita gente nessa cidade,
mas esse pequeno texto resume toda a minha memória dele. Não que eu estivesse
presente lá quando tudo aconteceu, mas por ele ter falecido no dia dezenove de
março de 1995, minha relação com ele foi cortada abruptamente e eu não consigo
nem sei lembrar o pai carinhoso que as pessoas dizem que ele foi. Na verdade eu
quase não me lembro de nada além do que as pessoas que o conheceram dizem sobre
ele, e sempre é sobre o DR. Gilson Braga, o ótimo médico, que mesmo em um
hospital precário como diz a reportagem, fez mais pela cidade de Itaguaí do que
o batalhão de médicos e enfermeiras que são pagos por esse ‘prefeito’ são
capazes de fazer hoje em dia. Eu não sei muito o que falar sobre meu pai, vejo
a relação e ouço as histórias que outras pessoas contam e tento ao máximo me
relembrar daquela pessoa que sem a qual eu não estaria aqui e eu não seria quem
sou, mas é difícil. Por muito tempo culpei outras pessoas e outras situações
por não lembrar bem dele, mas demorou muito para eu entender que com apenas
quatro anos não há muito o que o cérebro consiga armazenar, ou lembrar no meu
caso. Muitas coisas mudam e mudaram nesses dezenove anos, algumas pra melhor,
outras pra pior, mas todos os meus momentos eu tento lembrar de quem ele pode
ter sido, além do médico, além do cara que tinha caixas e mais caixas de doce
no escritório e que encantava todas as crianças da família ou da cidade,
crianças essas que já tem suas próprias famílias e historias pra contar.
Sei que muita gente o conheceu, e muitos tem várias histórias e coisas
boas a dizer sobre ele. Mas eu não consigo, eu tento e tento me lembrar, e às
vezes vem aqueles flashes, eu usando mascara cirúrgica fingindo que um dia
seria médica como ele, não uma médica qualquer que só está atrás do dinheiro
como uma grande parcela dos médicos de hoje em dia, mas uma médica de verdade,
que seguisse o juramento de atender a todos, "Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da Humanidade.
Darei como reconhecimento a meus mestres, meu respeito e minha gratidão.
Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade.
A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação.
Respeitarei os segredos a mim confiados.
Manterei, a todo custo, no máximo possível, a honra e a tradição da profissão
médica.
Meus colegas serão meus irmãos.
Não permitirei que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais intervenham entre meu dever e meus pacientes.
Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza.
Faço estas promessas, solene e livremente, pela minha própria honra.". Era assim que eu gostaria de ter sido, como meu pai.
Darei como reconhecimento a meus mestres, meu respeito e minha gratidão.
Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade.
A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação.
Respeitarei os segredos a mim confiados.
Manterei, a todo custo, no máximo possível, a honra e a tradição da profissão
médica.
Meus colegas serão meus irmãos.
Não permitirei que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais intervenham entre meu dever e meus pacientes.
Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza.
Faço estas promessas, solene e livremente, pela minha própria honra.". Era assim que eu gostaria de ter sido, como meu pai.
Hoje sabemos como isso faz falta, talvez esse não seja o texto original
do juramento de Hipócrates, mas é uma de suas versões adotadas atualmente, e
que se paramos para ler veremos que há muito tempo não vemos médicos dessa
forma. A primeira preocupação dos médicos é o salário no fim do mês e não a
saúde de seus pacientes. É só ir pro hospital público mais próximo de você que
perceberá isso.
Mas a questão aqui não é a precária saúde medica no Brasil e
principalmente em Itaguaí, mas sim a falta que os bons médicos fazem, a falta
que o meu pai faz. Não sei como escrever um texto carinhoso sobre as maravilhas
de ter Gilson Braga como pai pois não há como adquirir carinho pelas histórias
que ouvimos, mas eu tenho respeito e admiração pela pessoa que ele foi, não
tanto pelo homem, mas muito pelo médico e pelo ser humano. Há muito me
acostumei com a frase ‘Ah, se Dr. Gilson estivesse aqui’, mas ainda não
consegui entender bem a falta dele, a saudade que eu sinto de quem mal conheci,
a dor que o dia dezenove carrega apenas por ser o dia em que ele morreu, talvez
quando alguém me perguntar ‘quem você gostaria de ter conhecido? Algum famoso,
vivo ou morto’ eu diria meu pai, pois de alguma forma e pra algumas pessoas ele
foi e é muito famoso e talvez eu tivesse a chance de conhecê-lo e de falar
coisas que ficam entaladas na garganta, coisas como ‘oi pai, senti saudades,
que bom que está aqui’.
Enfim, apesar de não lembrar, sinto saudades. Dezenove anos de saudades.
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